25 de out. de 2013

Pelo direito de treinar sem ter que usar burca

"Fiu-fiu", "Ô lá em casa", "delícia", "ah se fosse minha"… qual corredora ou triatleta nunca teve o desprazer de ouvir "isso" (porque para mim nem cantada é…), ou as buzinadas (daquelas que te tiram até do rumo) durante seus treinos nas ruas ou estradas? É chato, é constrangedor, é vexatório.

Na verdade, é vergonha maior para quem faz, pois fica parecendo um ridículo e idiota berrando comentários inapropriados para fora da janela do seu carro.
Alguns pior ainda, com filhos junto. Desrespeitar mulher (tanto a que está na rua quanto a que eles tem dentro de casa) já é desprezível mas desrespeitar a presença de filhos e, pior, dar tamanho mau exemplo é o fundo do poço.

Algumas situações como arremesso de latas, lixo, tapetadas nas costas, tirar "finas", são comuns para quem corre por aí e, mais ainda, pedala nas estradas. É falta de educação? Sim. E mais ainda, é violência gratuita contra quem está praticando uma atividade física sem incomodar ninguém.

Entretanto, está se tornando mais comum do que poderia se imaginar a violência com a conotação sexual, isto é, as famosas "passadas de mão" e "tapas" em corredoras e ciclistas.
Enquanto estamos correndo, podemos (e devemos) fazer nosso treino "contra-fluxo", a fim de termos mais segurança. Porém nos treinos de bike, obrigatoriamente temos que seguir o fluxo e então ficamos a mercê de quem vem atrás. Alguns, inclusive, invadem o acostamento para agredirem.

Há muitos anos, quando comecei a treinar corrida pelas ruas da cidade tive o desprazer de vivenciar uma agressão dessas, quando um cara de bicicleta, que vinha pela calçada, me deu um tapão na bunda. Foi o que bastou para desde então ficar super hiper alerta e correr SEMPRE no contra-fluxo, inclusive quando estou nas calçadas.

Então alguém pode dizer: "ah corre na calçada ou parque e pedala na ciclovia". Pois bem, gente sem bom-senso tem em todo lugar. Há algum tempo li no grupo de corredores de Curitiba o desabafo de uma corredora (infelizmente perdi a publicação e não lembro o nome dela) que foi assediada enquanto corria na ciclovia/pista da Arthur Bernardes – lugar comum e conhecido para correr em Curitiba – por um cidadão que estava de bicicleta. Ela ouviu palavras BEM OBSCENAS do "tarado da ciclovia" e depois da sua divulgação outras mulheres afirmaram tê-lo visto e com o mesmo comportamento.

Não é porque sutiãs foram queimados há séculos atrás que tudo ficou permitido. O respeito não foi jogado na mesma fogueira. Queremos treinar em paz, sem termos que usar uma burca. Há quem cometa excessos? Sim. Mas a grande maioria só quer usar bermuda, camiseta, shorts…desde quando isso ficou proibido para correr/pedalar? É vestimenta de treino, compatível com a modalidade. Ninguém está pedindo para ser assediada por doentes. Aliás, para doença há tratamento; para animal, jaula; e para bandido, B.O.
 
Vivemos em uma sociedade machista, sim. Como demonstrado em um artigo de Nádia Lapa, na Carta Capital, 83% das mulheres não gostam de assédio nas ruas – incluindo as cantadas.

"Alguma mulher já saiu correndo atrás do motorista de um carro qualquer que buzinou para ela ou fez comentários sobre alguma parte do corpo dela, constrangendo-a publicamente?
Isso é, na verdade, controle e poder – e o lembrete de que o lugar de mulher é na vida doméstica. Não ocupe espaços públicos, porque lá você será assediada/agredida/constrangida."


Óbvio, não vamos generalizar. A maioria dos homens ainda respeita e graças a isso, sabemos que é uma minoria doente e cafajeste que esquece que tem mãe, esposa, irmã ou filha em casa e agride – moral e fisicamente – as mulheres nas ruas.

Antes de dizerem "ah mas isso não acontece só com as mulheres. Você tá defendendo a classe". Sim, defendo outras atletas que passam pelo mesmo problema em treinos. Mas se isso também ocorre com os rapazes, contem pra gente!! Eu, confesso, já ouvi relatos de violência – tapetadas, arremesso de latas e bitucas, pauladas – mas não sexual. Posso estar desinformada e eis aqui um espaço para vocês comentarem e trocarem experiências!

Conviver com a insegurança já é hábito para nós, brasileiros. Entretanto quando a violência ultrapassa o âmbito da segurança e viola nossa intimidade, é o pior. Mulher gosta de ser cortejada, paquerada mas no local e momento certo, de maneira respeitosa e por quem elas dão liberdade.

Não, este post não é um manifesto feminista (nada contra elas!!!). É um desabafo sobre respeito. Não é com "passadas de mão", tapas e fiu-fiu’s em treinos que as atletas serão felizes. Muito pelo contrário.

(Este post foi publicado originalmente pela autora na coluna IMpossível, do site Papo de Esteira, em 30/09/13 - http://www.papodeesteira.com.br/blogs/im-possivel/direito-treinar-burca/ )

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