30 de out. de 2017

Pedestres, corredores e a resolução do Contran

Foto: USP Images

Na última sexta-feira, 27, foi publicada a resolução 706/2017 do Contran, que regulamenta o Código de Trânsito Brasileiro (1997) a respeito de multas para pedestres e ciclistas. Tal previsão de punição já constava nos artigos 254 e 255 do CTB, porém necessitava de regulamentação para entrar em vigor, ainda que esta tenha surgido vinte anos mais tarde, ainda que necessite de complementações por parte dos municípios, ainda que tenha 180 dias para entrar em vigor. 

Segundo a resolução, pedestres poderão ser multados em R$44,19 e ciclistas em R$130,16  ( + apreensão da bike em algumas situações) caso infrinjam as normas de circulação. Neste caso, o agente de trânsito poderá lavrar o auto de infração e aplicar a multa, que pode ser paga via boleto bancário ou cartão de crédito. 

Para não me alongar muito no post, irei me ater apenas a questão do pedestre (e, por consequência, do corredor) diante dos desafios em se trafegar pelas cidades. 

De acordo com o CTB:

Art. 254. É proibido ao pedestre:

        I - permanecer ou andar nas pistas de rolamento, exceto para cruzá-las onde for permitido;
        II - cruzar pistas de rolamento nos viadutos, pontes, ou túneis, salvo onde exista permissão;
        III - atravessar a via dentro das áreas de cruzamento, salvo quando houver sinalização para esse fim;
        IV - utilizar-se da via em agrupamentos capazes de perturbar o trânsito, ou para a prática de qualquer folguedo, esporte, desfiles e similares, salvo em casos especiais e com a devida licença da autoridade competente;
        V - andar fora da faixa própria, passarela, passagem aérea ou subterrânea;
        VI - desobedecer à sinalização de trânsito específica;
        Infração - leve;
        Penalidade - multa, em 50% (cinqüenta por cento) do valor da infração de natureza leve.

Entretanto, há situações nas nossas cidades que não "se encaixam" nas normas do CTB e, menos ainda, na resolução do Contran. Segundo Juciano Rodrigues, do Observatório das Metrópoles, estima-se que 1/4 dos domicílios nas principais regiões metropolitanas não tenham seu entorno constituído por calçadas. Belém, por exemplo, tem 43,7% de domicílios com calçadas, enquanto Belo Horizonte possui 82,7% e São Paulo 90,7% .
Ainda, há que se considerar que dentro dessa percentagem há aquelas calçadas onde é inviável trafegar, seja pelas condições das mesmas, obstáculos, degraus, rampas, carros estacionados.

Segundo a resolução, normas específicas deverão ser estabelecidas pelo município. Porém, estamos diante de um ordenamento que não prevê o pedestre, apenas o automóvel. Não há políticas públicas que abracem o pedestre, isto é, em nenhum momento alguma lei se preocupou em priorizar o espaço para o deslocamento a pé. E o resultado dessa desídia é a atual situação de nossas calçadas, além da insegurança para se trafegar a pé. 

A Constituição federal, arts. 182 e 183, trouxe a política urbana para a pauta, que posteriormente foi regulamentada pela Lei 10.257/2002, o Estatuto da Cidade. Contudo, nesse tempo caminhamos vagarosamente na implementação do mesmo. Washington Fajardo, da WAU Agência Urbana, definiu bem essa situação: temos um "Estatuto da Cidade que, após 15 anos, ainda não disse a que veio". Os prefeitos fazem planos diretores apenas "pro forma", sendo que muitos sequer utilizam os instrumentos nele previstos. 


E então fica a pergunta: como punir uma ação que não tem a alternativa de ser executada dentro lei? Como punir um pedestre por estar caminhando na rua (ainda que no canto, próximo ao meio-fio) se não há calçadas? Como punir um pedestre por atravessar fora da faixa se não há faixa, cruzamento ou passarela em um raio de 5km? Como punir pedestres que não usam passagens subterrâneas ou passarelas em razão da inseguração (assaltos e estupros)? Há muito que se regulamentar antes da nova resolução entrar em vigor. E nenhum município conseguirá "fazer milagres" em 180 dias, o que possivelmente tornará a resolução do Contran "letra morta".

Foto: mobilize.org
Entende-se que há uma necessidade de estabelecer direitos e deveres para todos os envolvidos na dinâmica da mobilidade. Já existem normas estipuladas, como atravessar na faixa de pedestre e  respeitar a sinalização e muito se vê pedestres infringindo essas regras, seja por desatenção ou comodismo. Porém é fato que existe uma necessidade de especificar a nova resolução e, antes disso, adequar a cidade à sua implementação, começando pela atenção às calçadas e à malha de caminhabilidade, bem como colocando o pedestre, então alvo das normas do Contran, como objeto principal nas dinâmicas urbanas. 


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